sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Caixa oitavada Villeroy & Boch – Bonn - Alemanha


Caixa art déco de faiança moldada, oitavada, com decoração regular abstracta, de pendor vegetalista, estampilhada e aerografada, a verde, azul e preto sobre branco. O mesmo desenho repete-se, com as cores verde e azul alternadas, em cada uma das faces, e os ângulos, em cima e em baixo, são marcados por elementos a preto. A tampa é quadripartida visualmente por ornamentos com as mesmas cores alternadas. No fundo da base carimbo castanho «Villeroy & Boch» «Bonn» e, a preto, «D.1134.» sobrepujando «23». Inscrito na pasta «3211», «14» e FA».
Data: 1920 - 1925
Dimensões: Alt. 7 cm x Ø 11 cm


O desenho encontra-se perfeitamente delineado pelo recorte de cada uma das estampilhas, com cada cor uniformemente aplicada a cada um dos elementos compositivos, que assim se recortam claramente sobre o branco de fundo. Como já aqui escrevemos, esta solução não parece ser muito frequente nas decorações alemãs, aproximando-se mais das congéneres francesas.

Na repetição simétrica e regular de cada uma das partes vagamente vegetalistas, que diríamos lotiformes para os elementos centrais de cada face, há uma sugestão de agitação, sobretudo na composição que preenche a tampa, com um movimento rotativo em torno de um eixo central, em gironado, como se diz em heráldica.

É no reconhecimento desta dinâmica que, a nossos olhos, se vê a herança do Futurismo, em particular nos trabalhos do pintor italiano Giacomo Balla (1871 – 1958), ou mesmo de Fortunato Depero (1892 – 1960). Mais um exemplo da adaptação das vanguardas artísticas à estética art déco alemã.


Quando vimos a caixa à venda veio-nos de imediato à memória a exposição «Futurismo & Futurismi» que, com grande pena nossa, falhámos no Palácio Grassi, em Veneza, em 1986. Como compensação vimos a exposição «Arte Italiana: Presenze 1900-1945» que tinha várias obras futuristas, entre os quais Balla, no mesmo Palácio Grassi, em 1989. Um portento. Comprámos ambos os catálogos.

A Villeroy & Boch compra a fábrica de faiança de Franz Anton Mehlem, em Bona (Bonn), quando a região do Sarre, onde se localizavam as suas unidades fabris de Mettlach e Wallerfangen, foi concedida à França, em 1918, na sequência da Grande Guerra. Esta fábrica funcionou de 1920 a 1931. No entanto, a partir de 1925 abandona a produção industrial de cerâmica utilitária e decorativa para passar a produzir peças sanitárias. A Grande Depressão levou ao seu enceramento.

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Jarra cónica da Villeroy & Boch – Wallerfangen - Alemanha

Como há algum tempo não postamos nenhuma peça da nossa colecção de faianças aerografadas (spritzdekor na expressão alemã que tanto gostamos), hoje retomamos o tema com uma peça, em nossa opinião, de forte presença decorativa e estimulante modernidade avant-garde.


Jarra de faiança moldada, em forma de cone invertido, canelado junto ao bocal, assente sobre pé circular saliente e escalonado. Decoração estampilhada e aerografada, a mate, com motivos geométricos, de tons pastel (verde-claro, amarelo e castanho) em esfumado. No fundo da base, carimbo circular preto «VB-Villeroy & Boch» sobrepujando «Wallerfangen». Também carimbado a preto «2782YG» e, inscrito na pasta «588».
Data: c. 1929
Dimensões: Alt. 20 cm x Ø 19 cm (bocal)


O abstracionismo geométrico da decoração aposto à forma bauhausiana desta jarra é bem o exemplo de como a art déco alemã da República de Weimar, a partir de finais dos anos 20, adaptou o trabalho das vanguardas artísticas de modo a poder ser apropriado pelas classes populares.

Fascina-nos este ideal democratizador que, por um curto período, percorreu a Alemanha de então – no caso, a produção desta unidade fabril da V&B de Wallerfangen terminou em 1931, por encerramento da fábrica.


Já não é o luxo dos objectos que está em causa nesta art déco para produção em massa, mas sim a sua qualidade plástica, que vai ser apreciada transversalmente pelas diversas classes sociais germânicas. Antes, ainda, da crise económica de 1929, impunham-se formas e decorações modernas em materiais acessíveis, de que é exemplo a faiança, que concorria agora em pé de igualdade com a própria porcelana, como já tivemos oportunidade de escrever.

sábado, 6 de agosto de 2016

Jarra modelo 148-C - Aleluia - Aveiro


Jarra de faiança moldada, piriforme, com decoração pintada à mão. O bojo pronunciado é pintado no fundo a verde, cor sobre a qual “pende”, como uma cortina de recorte branco debruado a preto, decoração com arabescos neo-renascentistas a branco, realçados a acastanhado e amarelo, em fundo avinhado, que enquadram três medalhões polilobados, orlados a amarelo e acastanhado delineados a preto, que envolvem um cravo aberto cor-de-rosa sobre o qual evoluem enrolamentos de folhagem e outra flor da mesma espécie a abrir. Estrangula num anel relevado preto, de onde parte o gargalo lotiforme, rosa-avinhado em esfumado. O branco do interior morre no bocal curvo debruado a preto, cor também do pé. No fundo da base, carimbos a preto, um circular sobre rectângulo «Aleluia-Aveiro», com algo indecifrável no centro, sobrepujando «Pintura manual» e «Portugal». Pintado à mão, a preto, «148 – C».
Data: c. 1945 - 50
Dimensões: alt. 29 cm


Já aqui tínhamos postado, em 5 de Outubro de 2013, uma jarra modelo 148 mas complementado pela letra «X», correspondente a uma das últimas decorações aplicadas a esta forma.

Tal como então dissemos, no catálogo de loiças decorativas de inícios dos anos 40 a forma nº 148 aparece-nos ilustrada com as decorações «A» e «B», as duas primeiras de toda uma série. Pela lógica sequencial a que hoje se apresenta corresponderá à terceira aplicada a este modelo. Uma outra decoração com cravos já se fazia anunciar num modelo (79-B) mais pequeno no referido catálogo.

A sua decoração é muito eclética nas referências. Um ecletismo tardio e conservador. Encontramos nela laivos de grotescos neo-renascentistas nos arabescos que enquadram os medalhões com sugestões florais ainda de uma certa tradição Arte Nova que Aleluia-Aveiro cultivou até tarde. Depois, em termos técnicos, temos a pintura manual da quase totalidade da peça, excepção feita no gargalo que aparece finamente esfumado a aerógrafo. Digamos que se trata de uma decoração “reacionária” e, não fora tê-la encontrado na Bélgica, talvez nem a tivéssemos adquirido. Mas as colecções também são feitas de acasos, ou de afectos, e neste caso comprámo-la apenas pelo prazer de fazer regressar a casa mais uma peça portuguesa.

Se a memória não nos falha, já por aqui teremos escrito, citando Marc Guillaume, que “conservar é lutar contra o tempo”. Porque está subjacente ao acto de coleccionar o facto de se preservar, sentimos que contribuímos, à nossa pequena escala e parcos recursos, para mantermos acesa essa referência à memória e sentimento de posse colectivos. É que muitas colecções privadas contribuíram no passado, e continuam a contribuir ainda hoje, para dar origem ou engrossar acervos públicos ou de acesso público, ou para integrar exposições temporárias temáticas.


O futuro ditará o destino desta nossa colecção. Talvez nem assistamos ao desfecho, mas gostaríamos que pudesse um dia vir a integrar uma colecção pública. Estamos em crer que contribuiria para um melhor conhecimento da cerâmica decorativa e de uso quotidiano produzida no nosso país na primeira metade do século XX. Um olhar pessoal, certamente, mas será pela soma das partes e pelas diferentes leituras que cada um faz individualmente, que poderemos ter uma melhor interpretação do todo.

Como vivemos inseridos no contexto específico europeu, a transversalidade cultural reflectida nas demais produções deste continente no mesmo período cronológico é absolutamente fundamental para o entendimento geral e daí a nossa preocupação em ir pontuando o nosso acervo com exemplares de outras nacionalidades. É conhecendo os outros que também nos vamos conhecendo a nós próprios.