domingo, 18 de outubro de 2015

Jarra “coração” com duas crianças – Electro-Cerâmica - Candal


Jarra de porcelana moldada em forma de coração, a verde com interior a branco, assente sobre pés laterais salientes, a preto. Sentado no bordo, casal de meninos a namorar, policromos. No fundo da base, carimbo verde «EC» inscrito num quadrado na diagonal sobrepujando «Candal». Inciso na pasta «F. 42» e, pintado à mão a preto, «N» (marca do pintor?)
Data: c. 1940 - 50
Dimensões: alt. 16 cm x comp. c. 11, 5 cm x larg. c. 9 cm



Claramente, e como MAFLS já havia referido, estamos perante um modelo de fortes ressonâncias germânicas, muito próximo das produções da fábrica Goebel.

O proprietário destra fábrica, Franz Goebel, em 1934 havia decidido lançar uma nova linha a partir de desenhos concebidos por uma freira, a irmã Maria Innocentia Hummel, anteriormente editados em postais e livros. Aliás, estamos mesmo em crer que não se tratará de mera inspiração mas de um modelo importado, talvez até especificamente para a Electro-Cerâmica do Candal, pois não conseguimos encontrar (pelo menos até agora) exemplar idêntico de fabrico alemão.


Berta Hummel (1909 -1946) foi uma artista alemã, nascida em Massing, na Baviera. Educada, a partir dos 12 anos, num colégio de freiras, as Irmãs do Loreto, em Simbach am Inn, ingressou, aos 18 anos, em 1927, na prestigiada Escola de Artes Aplicadas de Munique, onde se licenciou com distinção em 1931. Profundamente religiosa, nesse mesmo ano entrou para o convento franciscano de Siessen, onde escolheu o nome de Maria Innocentia, tomando votos em 1937.


A sua inspiração artística estava claramente imbuída do espírito franciscano. Pelo amor às crianças, aos animais, à natureza, e pelo sentimento de inocência que as suas obras transmitem ainda hoje. Transparece nas suas criações um gosto fácil, ternamente kitch que, todavia, provocou reacções negativas numa Alemanha totalitária.

Profundamente anti-nazi, a sua arte foi repudiada pelo regime, que entre outras questões, que não cumpre aqui analisar, não aceitava as suas crianças “hidrocéfalas” e amaneiradas, contrárias ao ideal ariano da masculinidade e da força física (ver foto).


Quiçá as suas criaturinhas delicodoces, inocentes, rosadinhas e saudáveis, bem vestidinhas, crianças muito loiras e pacíficas, como anjinhos barrocos agora remetidos para um papel mais laico, não terão sido uma reacção à brutalidade nazi que se impôs na Alemanha, visto que algumas das suas obras religiosas atingiram o patamar da provocação ao regime (ver aqui).

O convento de Siessen é ocupado pelos nazis em 1940, ficando as religiosas confinadas a um pequeno espaço. As dificuldades a partir de então, sentidas pela comunidade, vão deteriorar o estado de saúde da irmã Maria Innocentia que, tuberculosa, acaba por morrer em 1946, com 37 anos de idade.

A expansão internacional dos seus modelos vai dar-se, sobretudo, no final da II Guerra Mundial, com a divulgação nos Estados Unidos da América, graças aos exemplares levados pelos soldados americanos de regresso a casa.

Talvez como consequência desta popularidade, não só a Electro-Cerâmica do Candal, mas também outras fábricas nacionais, caso da Vista Alegre ou de Sacavém (imagens da Virgem, por exemplo), copiam, ou importam, os modelos da Goebel. A série «Bebé» desta última, em nossa opinião, poderá, para além das sugestões de MAFLS, com as quais concordamos plenamente, também ser uma reinterpretação da estética criada pela freira franciscana. Uma digestão perfeita de uma estética importada, esvaziada de conteúdo político, pois ao repúdio do regime belicista nazi pelas obras de Hummel, corresponde na produção portuguesa uma clara simpatia por parte da situação política vigente, ruralizante e de uma religiosidade paternalista tão do agrado do regime e da Igreja de então. Uma produção apaziguante, ternurenta e completamente inócua.


Daí também o sucesso do exemplar de hoje e de outras figurinhas com a mesma origem que a fábrica do Candal produziu e que haveremos de postar.

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