quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Jarra com cristalizações verde – Alfred Renoleau - França

Hoje o blogue completa 3 anos de existência. Nem sempre temos sido constantes como gostaríamos, sobretudo neste último ano, mas vamos fazendo os possíveis para o manter sem descer excessivamente o nível.

Escolhemos para comemorar o aniversário uma jarra de que gostamos muito, não só visualmente, mas também pela matéria: o grés. Para além das texturas que tal cerâmica possibilita, agrada-nos o peso das peças, maciças e compactas. Um prazer para o tacto e para a visão.


Jarra de grés, modelada (?) em forma de balaústre, quase inteiramente coberta de cristalizações, predominantemente a verde-claro, parcialmente aureoladas a castanho-escuro na área onde sobressai, em reserva, a cor verde-olivina mosqueada de fundo. Bocal e interior beige acinzentado brilhante e liso. No fundo da base, inscrito na pasta, à mão, ARenoleau e A [Alfred Renoleau - Angoulême].
Data: c. 1910
Dimensões: Alt. 25,5cm


Alfred Renoleau (1854-1930) nasceu em Mansle na Charente, filho de um barbeiro-cabeleireiro e, tal como era tradição na época, estava destinado a suceder-lhe no negócio.

Contrariando a vontade dos pais foi sobretudo como autodidata que aprendeu, desde cedo, a arte de ceramista.

Tal como tantos outros da sua época, imbuídos de espírito romântico (pensemos em Rafael Bordalo Pinheiro, por exemplo), apaixonou-se pela arte de Bernard Palissy (c. 1510-c.1590), vindo a ser um dos mais conhecidos ceramistas do século XIX influenciados pelo artista francês do Renascimento. Em paralelo produzia também faiança tradicional decorativa e utilitária.

A sua mestria nas peças à maneira de Palissy foi plenamente reconhecida em Londres onde expõe em 1888. Este sucesso vai despertar o interesse de uma grande empresa - Grandes Tuileries de Roumazières - que o contrata como ceramista-modelador. O contrato vai durar dois anos, de 1888 a 1890.

A empresa, aliás como toda a França, queria celebrar condignamente o centenário da Revolução Francesa no prosseguimento da renovação nacional a fim de preparar a “vingança” contra o Império Alemão e recuperar a Alsácia-Lorena ocupada. Contrata assim o “artista-modelador” para participar na Exposição Universal de Paris de 1889 com tal sucesso que ganha uma medalha de ouro. Renoleau é também premiado com uma medalha de bronze a título individual pelas suas peças à maneira de Palissy que produziu até ao fim do século XIX quando os gostos mudaram.

Em 1891 muda-se para Angoulême para onde vai trabalhar como artista cerâmico, e no ano seguinte é contratado como professor de modelagem da École départementale d’Apprentissage.

Três anos depois, em1895, funda a Faïencerie d’Art d’Angoulême, que vai dirigir até à sua morte em 1930. A empresa continuará sob a direcção do seu sobrinho e, de algum modo, chegará até hoje, visto os seus descendentes continuarem a criar e a trabalhar a cerâmica.

Todavia, não é o tipo da produção descrita que nos motiva. A abertura do Japão ao mundo nos anos de 1860, vem renovar no Ocidente o gosto pelo grés. O fascínio pelas peças japonesas de formas depuradas em que a ornamentação se reduzia aos sumptuosos esmaltes que cobriam as superfícies levou os artistas, sobretudo europeus, a tentarem desvendar os seus segredos.

Fascinado pelo que viu na exposição de 1878, que já referimos em post anterior, Jean Carriès criou magníficas peças de grés e rodeou-se de discípulos que continuaram a sua obra. Sèvres irá aperfeiçoar a técnica dos esmaltes cerâmicos durante a administração de Alexandre Sandier (de 1897 a 1916) ao obter o desenvolvimento de cristalizações na superfície do esmalte.


A tudo isto não ficou indiferente Renoleau. Em 1902 vendeu uma casa que possuía e com o dinheiro obtido construiu um forno apropriado para dar aplicação prática às suas experiências na cozedura de peças de grés. Podia, enfim, a par do negócio da sua empresa cerâmica, criar objectos de grande modernidade e qualidade artística. Os seus greses de formas depuradas vão cobrir-se de escorridos ou de cristalizações que rivalizam com os dos maiores artistas da época. A jarra de hoje mostra bem o talento do artista, como sempre se considerou, dado rejeitar ser tratado como artesão e considerar a cerâmica como arte maior à maneira do Oriente.

2 comentários:

MAFLS disse...

Carissimos:

As minhas felicitações e agradecimentos pelos três anos de constante partilha de exemplares cerâmicos de excelente qualidade e pelos textos de estudo e divulgação que os têm acompanhado.

De facto, as cristalizações de AR atingem grande qualidade, suplantando por vezes as que Pierrefonds apresenta. Pena é que, neste período, e talvez porque pretendesse dar primazia apenas aos efeitos das mesmas, as suas peças não tenham apresentado modelações ou formatos mais ousados.

Deixo aqui uma ligação para outras peças de Renoleau que, eventualmente, já terão visto:

http://mfls.blogs.sapo.pt/tag/alfred+renoleau

Saudações!

AM-JMV disse...

Caro MAFLS, agradecemos os parabéns.
De facto existem muitas semelhanças com Pierrefonds. Alfred Renoleau não foi um revolucionário na sua arte. Até porque teve sempre um grande cuidado a gerir a empresa que criou e que sustentava a família, por isso não podia correr riscos. As formas são depuradas e, digamos, clássicas, mas frequentemente inspiradas no Extremo-Oriente. E, claro, o que sobretudo o interessava era as possibilidades técnicas e estéticas dos esmaltes no grés. Quanto às peças que refere, claro que as conhecíamos. São posteriores à morte de AR, em 1930, feitas no período de seu sobrinho e filho adoptivo Joseph Roullet que assina AR A. Sapiência recém adquirida...
Abraço