domingo, 30 de novembro de 2014

Bilheteira com cães de fo – Karlsruhe - Alemanha


Taça art déco de faiança moldada (barro vermelho), com vidrado craquelé. A parte superior, em forma de calote esférica, de base branca com bordo preto de manganês, é circundada, no interior, por lista azul-claro seguida de amarelo-pálido, ambas aguadas, ficando o covo a branco. As mesmas cores encontram-se na base que repousa sobre três animais com olhos e bocas vazados, lembrando cães de fo (símios ou criaturas míticas ou grotescas) no mesmo tom de azul mais carregado com apontamentos a preto de manganês e reservas da matéria base, o barro vermelho, sob vidrado. No fundo do pé, inciso na pasta, carimbo da fábrica Karlsruhe, com coroa, e carimbo preto «3220» [modelo] «Germany». Também inciso na pasta «23».
Data: 1932 
Dimensões: Larg. 28,5 cm x alt. 12 cm


Trata-se de uma bilheteira do escultor e ceramista, Christian Heuser, nascido em 1897 em Aschaffenburg, produzida de 1932 a 1935.

Heuser estudou nas escolas de artes aplicadas de Partenkirchen e de Munique e na Academia de Artes Aplicadas desta cidade. Por volta de 1930 cooperou com a Manufactura de Cerâmica de Karlsruhe. Entre a sua diversificada produção destacam-se os trabalhos de cerâmica que fez para a principal estação de caminhos- de-ferro de Frankfurt am Main.


Tal como Matha Katzer ou Paul Speck, de quem já apresentámos peças, Heuser é bem um exemplo da tensão entre a teoria propugnada pela Bauhaus, em 1919, e os reajustamentos a que as necessidades da produção industrial obrigaram.
A produção em série de cerâmica utilitária da Bauhaus começou nesse mesmo ano com o ideal de um regresso ao artesanato. Tal como num atelier medieval, a arte era vista como extensão do engenho e resultado de uma união de esforços.
O atelier cerâmico da Bauhaus começou assim em Dornburg, com o objectivo declarado de um renascimento da antiga artesania. No entanto, em 1922, pôs-se em questão este desiderato e reconheceu-se que a indústria, com as novas técnicas poderia melhorar a produção e aumentar as vendas. A partir de então, e não esquecendo os seus princípios, vai reorientar-se no sentido de uma cooperação prática com a indústria.

Nicola Moufang, então director da Karlsruher (1921-1928) segue também neste sentido e, somente por questões económicas, vai promover a produção industrial de cerâmica utilitária. Tornava-se evidente que a criação artística teria que ser diferente da utilizada na olaria tradicional. Novos moldes adaptados a novas tecnologias tinham que ser concebidos indo ainda de encontro aos novos gostos estéticos tanto modernistas como art déco.


Os modelos criados vão receber uma publicidade adequada à época. Assim, nos folhetos promocionais da fábrica aparece um novo conceito: “Fröliche Sachlichkeit”, ou seja, “Objectividade feliz” sendo que objectividade era o novo design que se traduzia em formas práticas e sóbrias e na ulização de um número restrito de esmaltes. Feliz, pelo emprego de cores ténues.

O objectivo era, nas palavras dos publicitários, propor um “artesanato seminatural, sem naturalismos ultrapassados”. Como se vê, esta formulação mostra bem a tensão entre a tradição artesanal e a nova maneira simplificada de trabalhar.
A bilheteira que hoje apresentamos –“bilheteira com forma refinada”- na publicidade de então, é bem um exemplo do que anteriormente escrevemos.



domingo, 16 de novembro de 2014

Caixa com caracol nº 27-J – variante 2 - Aleluia - Aveiro


Caixa art déco de faiança moldada, redonda e achatada, com decoração manual estampilhada pintada à mão em tons de castanho e preto sobre fundo creme. A tampa tem pega em forma de caracol que pousa sobre círculo preto. Na parte superior do bojo, três grelhas intercalam com igual número de composições vegetalistas com flores estilizadas em espiral. A parte inferior do bojo, sem decoração, é apenas enquadrada por faixa franjada, na transição com a parte superior, e filete preto junto ao pé. No fundo da base, carimbo preto «Aleluia Aveiro» sobrepujando «Fabricado Portugal» inscrito num rectângulo. Pintado à mão, a preto, 27 – J.
Data: c. 1935 - 45
Dimensões: alt. 7 cm x larg.10 cm


Do modelo nº 27 mostrámos anteriormente uma versão com decoração a verde cuja letra correspondente não pudemos apurar, dada a página do Catálogo de loiças decorativas das Fábricas Aleluia. Aveiro, que temos digitalizado, estar truncada. Como a peça também não o menciona, só mesmo um auxílio dos leitores nos poderá fornecer esta referência. A peça de hoje não só ostenta todas as indicações como aparece devidamente identificada no referido catálogo como sendo a nº 27 – J (modelo e decoração) mal-grado a fotografia da mesma estar cortada…

Pelo contexto decorativo desta caixa, assim como de outras que haveremos de ilustrar, depreende-se, desfazendo a dúvida anteriormente levantada, que o caracol da pega pretende representar uma espécie de gastrópode terrestre, apesar da casca nada ter de realista, com o espiralado em simetria, como então referimos. Alertamos para a decoração da tampa deste exemplar, porque ou não lhe pertencia ou então estaremos perante uma variante (propositada ou fruto de acaso?) talvez mais tardia (precisamos saber em que data se começa a utilizar o carimbo que ostenta). Para mais, é um pouco mais alta, porque o caracol é maior, que as restantes variantes que possuímos. Voltaremos a este assunto.


A decoração da parte superior do contentor é particularmente interessante, dado manter uma tradição que aparece recorrentemente no azulejo setecentista, sobretudo a partir de c. 1740: a representação em trompe l’oeil de grades metálicas que, neste caso, dão uma leitura visualmente tripartida à peça. Grades de um jardim imaginário, entre elas observamos pares de flores graficamente estilizados dentro da gramática art déco.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Jarra com cristalizações verde – Alfred Renoleau - França

Hoje o blogue completa 3 anos de existência. Nem sempre temos sido constantes como gostaríamos, sobretudo neste último ano, mas vamos fazendo os possíveis para o manter sem descer excessivamente o nível.

Escolhemos para comemorar o aniversário uma jarra de que gostamos muito, não só visualmente, mas também pela matéria: o grés. Para além das texturas que tal cerâmica possibilita, agrada-nos o peso das peças, maciças e compactas. Um prazer para o tacto e para a visão.


Jarra de grés, modelada (?) em forma de balaústre, quase inteiramente coberta de cristalizações, predominantemente a verde-claro, parcialmente aureoladas a castanho-escuro na área onde sobressai, em reserva, a cor verde-olivina mosqueada de fundo. Bocal e interior beige acinzentado brilhante e liso. No fundo da base, inscrito na pasta, à mão, ARenoleau e A [Alfred Renoleau - Angoulême].
Data: c. 1910
Dimensões: Alt. 25,5cm


Alfred Renoleau (1854-1930) nasceu em Mansle na Charente, filho de um barbeiro-cabeleireiro e, tal como era tradição na época, estava destinado a suceder-lhe no negócio.

Contrariando a vontade dos pais foi sobretudo como autodidata que aprendeu, desde cedo, a arte de ceramista.

Tal como tantos outros da sua época, imbuídos de espírito romântico (pensemos em Rafael Bordalo Pinheiro, por exemplo), apaixonou-se pela arte de Bernard Palissy (c. 1510-c.1590), vindo a ser um dos mais conhecidos ceramistas do século XIX influenciados pelo artista francês do Renascimento. Em paralelo produzia também faiança tradicional decorativa e utilitária.

A sua mestria nas peças à maneira de Palissy foi plenamente reconhecida em Londres onde expõe em 1888. Este sucesso vai despertar o interesse de uma grande empresa - Grandes Tuileries de Roumazières - que o contrata como ceramista-modelador. O contrato vai durar dois anos, de 1888 a 1890.

A empresa, aliás como toda a França, queria celebrar condignamente o centenário da Revolução Francesa no prosseguimento da renovação nacional a fim de preparar a “vingança” contra o Império Alemão e recuperar a Alsácia-Lorena ocupada. Contrata assim o “artista-modelador” para participar na Exposição Universal de Paris de 1889 com tal sucesso que ganha uma medalha de ouro. Renoleau é também premiado com uma medalha de bronze a título individual pelas suas peças à maneira de Palissy que produziu até ao fim do século XIX quando os gostos mudaram.

Em 1891 muda-se para Angoulême para onde vai trabalhar como artista cerâmico, e no ano seguinte é contratado como professor de modelagem da École départementale d’Apprentissage.

Três anos depois, em1895, funda a Faïencerie d’Art d’Angoulême, que vai dirigir até à sua morte em 1930. A empresa continuará sob a direcção do seu sobrinho e, de algum modo, chegará até hoje, visto os seus descendentes continuarem a criar e a trabalhar a cerâmica.

Todavia, não é o tipo da produção descrita que nos motiva. A abertura do Japão ao mundo nos anos de 1860, vem renovar no Ocidente o gosto pelo grés. O fascínio pelas peças japonesas de formas depuradas em que a ornamentação se reduzia aos sumptuosos esmaltes que cobriam as superfícies levou os artistas, sobretudo europeus, a tentarem desvendar os seus segredos.

Fascinado pelo que viu na exposição de 1878, que já referimos em post anterior, Jean Carriès criou magníficas peças de grés e rodeou-se de discípulos que continuaram a sua obra. Sèvres irá aperfeiçoar a técnica dos esmaltes cerâmicos durante a administração de Alexandre Sandier (de 1897 a 1916) ao obter o desenvolvimento de cristalizações na superfície do esmalte.


A tudo isto não ficou indiferente Renoleau. Em 1902 vendeu uma casa que possuía e com o dinheiro obtido construiu um forno apropriado para dar aplicação prática às suas experiências na cozedura de peças de grés. Podia, enfim, a par do negócio da sua empresa cerâmica, criar objectos de grande modernidade e qualidade artística. Os seus greses de formas depuradas vão cobrir-se de escorridos ou de cristalizações que rivalizam com os dos maiores artistas da época. A jarra de hoje mostra bem o talento do artista, como sempre se considerou, dado rejeitar ser tratado como artesão e considerar a cerâmica como arte maior à maneira do Oriente.

domingo, 2 de novembro de 2014

Caixa verde com caracol - Aleluia - Aveiro


Caixa de faiança moldada, redonda e achatada, com decoração estampilhada, pintada à mão, em tons de verdes secos sobre fundo branco. A tampa, com pintura de círculos concêntricos em cambiantes de verde-claro intercalando com branco, que se repetem na parte inferior da caixa, tem pega em forma de caracol sobre círculo verde mais escuro. O bojo é cintado por um friso com uma composição estilizada de búzios que intercalam com algas e bolhas de ar. No fundo da base, pintado à mão, a verde, Aleluia Aveiro e, inscrito na pasta, o número 27.
Data: c. 1935 - 45
Dimensões: alt. 7 cm x larg.10 cm
  


Trata-se do modelo nº 27. Infelizmente a imagem e respectiva legenda estão truncadas no Catálogo de loiças decorativas das Fábricas Aleluia. Aveiro, de inícios da década de 40, pelo que não nos é possível saber qual a letra que acompanha o número de forma (modelo) correspondente à decoração.

Poderemos questionar se o caracol da pega pretende representar uma espécie marinha ou terrestre. Note-se que a casca nada tem de realista, pois o espiralado é-nos dado em simetria. Porém, o que importa é que, uma vez mais, é a presença do mar e a sua vida que se apossa da peça, complementada pela geometria das linhas circulares.


 A linearidade do grafismo, o ziguezagueado dado pela repetição dos elemento ornamentais estilizados, assim como as cores planas, apesar de alguma organicidade curvilínea presente ainda nos elementos vegetais remeterem para resquícios Arte Nova, integram este género de objecto no contexto da produção do Art Déco local.

Curioso é que esta permanência do desenho das algas se vai manter no contexto da produção dos anos 50-60.


sábado, 1 de novembro de 2014

Jarra craquelé de Martha Katzer e Gerda Conitz - Karlsruhe - Alemanha


Jarra de faiança (barro vermelho) modelada (?), de forma esférica achatada, esmaltada e craquelé. O esmalte de meio-brilho, de cor verde-turquesa, é manchado irregularmente a cinza, cor que igualmente faz sobressair o craquelé. No fundo da base, em relevo na pasta, a marca da Karlsruhe.
Data: c. 1930-32
Dimensões: Alt. c. 9 cm



Sobre Martha Katzer (1897- 1946) previamente discorremos, a propósito de uma caixa de faiança aerografada desta mesma fábrica, em 21 de Agosto de 2013.
O trabalho conjunto que vai desenvolver de 1929 a 1932 com Gerda Conitz (1901 - ?) leva-a num outro sentido igualmente experimentalista mas mais rarefeito e requintado dirigido a um grupo restrito de consumidores de elite. As faianças nobres (ditas «Edelmajolika») resultantes desta dupla, pouco abundantes, são de grande refinamento. Enquanto a Martha Katzer cabe a concepção das formas atemporais de inspiração extremo-oriental, a Gerda Conitz cumpre a decoração das superfícies, concebendo requintados esmaltes craquelé.


A colaboração termina quando, em 1932, Gerda Conitz vai trabalhar como assistente técnica de Georg Schmider para a União das Fábricas de Cerâmica de Zell em Harmersbach. De 1936 a 1946 vai dirigir o atelier cerâmico das WMF.

Este tipo de formas espelha bem a apetência que os ceramistas ocidentais tinham pelas formas despojadas e desornamentadas da cerâmica da China e, sobretudo, do Japão, que vinha desde o último quartel do século XIX, sobretudo depois da Exposição Universal de Paris de 1878. O fascínio pelo Extremo Oriente perdurou e contaminou não só o Art Déco, como os demais movimentos modernos.

A jarra de hoje é bem exemplar das contaminações entre as várias tendências da época. Poderemos defini-la como art déco pelo refinamento sumptuoso das formas e matérias assim como pela união entre a criação artística e a artesania, características estas últimas também bauhausianas.

Peça idêntica, que se ilustra, figurou na exposição «Frölich, sachlich, edel: Martha Katzer - Keramik aus der Majolika-Manufaktur Karlsruhe 1922 – 1942», no Badisches Landesmuseum Karlsruhe, em 2001.