quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Caixa de chá de Paul Speck (2) - Karlsruhe


Em 13 de Junho de 2012 publicámos modelo idêntico de caixa de chá, com outra decoração, criado pelo designer suíço Paul Speck para a Karlsruher Majolika-Manufaktur, na Alemanha.


Sem querer repetir o que então escrevemos, reforçamos a ideia da rectilinearidade das linhas e do funcionalismo de inspiração Bauhaus patente numa peça cujo despojamento resulta num objecto requintado de uso quotidiano muito alegre e moderno. A sua funcionalidade parte mais da concepção ao nível do desenho do que da prática utilitária da sua forma dado que a pega, elegante mas diminuta, é uma armadilha escorregadia mesmo para os mais delicados dedos femininos.


Para além da decoração, que tem qualquer coisa de orientalizante, fazendo lembrar vagamente os trabalhos de Isnik, também ao nível da pasta cerâmica assim como das dimensões, a peça de hoje é diferente. A faiança utilizada é o barro vermelho, e a forma paralelepipédica é pintada à mão, vidrada e craquelé. Embora mantendo as linhas horizontais, que já se encontravam presentes no exemplar anteriormente mostrado, estas diluem-se com a pintura abstracta a dois tons de azul e manganês, formando uma padronagem livre, de pendor vegetalista, como se se tratasse de fiadas de grandes folhas azuis e flores pontilhadas numa estratigrafia de quatro camadas. A tampa rectangular é decorada ao centro, envolvendo a pequena pega, com as mesmas cores e desenho do contentor. Retirada a tampa, uma divisória interna, onde encaixa a tampa doseadora que permite retirar o chá, é igualmente pintada à mão, com as mesmas cores, embora com outro desenho. Tanto esta tampa doseadora como o encaixe da tampa principal, como, aliás, todo o restante interior, são de barro vermelho apenas vidrado. Na altura em que postámos o primeiro exemplar de caixa de chá de Speck mostrámos uma fotografia de catálogo de época que permitia ver o interior da peça em corte. No fundo da base, pintados à mão a manganês, o símbolo da Karlsruher Majolika-Manufaktur e uma espécie de pássaro pousado, de longa cauda, assim como, colada, a etiqueta original de papel com a marca da fábrica e, escrito à mão, o número de série 1607.
Data: 1924
Dimensões: Alt c. 10,5 cm x comp. 12,5 x larg. 7 cm

sábado, 19 de outubro de 2013

Pinguim art déco da Electro Cerâmica – Vila Nova de Gaia

Depois dos dois exemplares de pinguins que no post anterior ilustraram a produção de duas das principais indústrias cerâmicas portuguesas, a Fábrica de Loiça de Sacavém sobretudo para a faiança e a Vista Alegre para a porcelana, hoje trazemos um exemplar da simpática ave de outra conhecida fábrica nacional.
 

Trata-se de uma pequena escultura de porcelana moldada representando um pinguim, dentro de uma certa estilização art déco que privilegiou o arredondamento de formas como já acontecia com o de Sacavém. Sobre o vidrado branco-base, que ficou em reserva no ventre e interior das asas assim como nos olhos (estes complementados com pupilas igualmente a preto), recebeu pintura a preto que uniformemente cobre dorso, cabeça, incluindo o bico, e patas. No peito recebeu um toque ténue de amarelo. No fundo da base carimbo verde com EC sobrepostos. Inscrito na pasta, à mão, 524 (?).
Data: c. 1930-35
Dimensões: Alt. c. 10 cm


Pelo carimbo estamos em crer que se trata de uma criação da unidade da Electro-Cerâmica de Vila Nova de Gaia, e daí o datarmos na década de 1930.

domingo, 13 de outubro de 2013

Pinguim art déco - Sacavém

Hoje aproveitamos para dar notícia da constituição oficial da Associação dos Amigos da Loiça de Sacavém (AALS), registada, no dia 17 de Abril de 2013, na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, cuja formalização se arrastava desde 2007, por motivos burocráticos que não cumpre aqui esmiuçar. Foi também neste sentido divulgador que se reuniram ontem, pelas 15 horas, no auditório do Museu de Cerâmica de Sacavém, alguns dos elementos fundadores e outros apreciadores e curiosos da produção cerâmica da fábrica. Esperamos uma longa e frutuosa vida à novel associação que homenageamos hoje em fato de cerimónia.


Escultura art déco de faiança moldada em forma de pinguim estilizado, de cor branca com apontamentos a preto na cabeça, asas e patas aplicados sobre o vidrado. No fundo da base, carimbo verde Gilman & Ctª – Sacavém e Made in Portugal. Pintado à mão, a preto, 1 ou L.
Data: c. 1930-40
Dimensões: Alt. 18,3 cm


Mais ou menos estilizada, a escultura animalística integrou durante o período art déco o repertório de grande parte das fábricas de cerâmica tanto nacionais como estrangeiras. Sacavém e Vista Alegre talvez tenham sido das que maior variedade de modelos apresentaram entre nós, embora esse estudo esteja por fazer. Ambas as fábricas produziram modelos, se não na totalidade, pelo menos na sua grande maioria, importados, numa gramática liberta de cânones naturalistas. Uns mais cubizantes, outros mais caricaturais e humorísticos e próximos do universo da banda desenhada, dentro do espírito da época. 


No exemplo que ilustramos, a figura de pinguim apresenta uma interessante depuração da forma, moldada em arestas suavemente arredondadas, e na aplicação da cor preta, que nas representações deste tipo de ave normalmente cobre todo o dorso. Neste exemplar, dorso e asas são estilizados intencionalmente ao ponto de se assemelharem a uma capa sobre os ombros da figura, correspondendo o preto ao forro interior. Nas patas, a mesma cor sugere um pinguim calçado e de polainas. 


Veja-se o exemplar da mesma espécie editado pela Vista Alegre, marca nº 31 (1924-1947), que retirámos do sítio «Avaluart» com o qual apresenta algumas afinidades. Embora também estilizado, a aplicação do preto deu-lhe um toque mais naturalista.

Anos mais tarde, sobretudo na década de 1960, vai-se difundir uma variante de fraque e cartola que aterrou em quase todos os frigoríficos deste país.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Caixa art déco - GAL


Como por vezes acontece, os outros blogues à cerâmica dedicados inspiram-nos a seleccionar a peça a apresentar. Assim, a propósito do jarro postado por MAFLS, escolhemos uma peça desta fábrica marginal da produção portuguesa que foi a GAL.

 
Trata-se de uma caixa, provavelmente uma biscoiteira, de faiança moldada, de forma abaulada, ovoide e subtilmente quadrilobada, assente sobre dois pés corridos lateralmente. A tampa acompanha o desenho da taça e tem pega trapezoidal. É de cor beije com decoração geométrica aerografada sobre o vidrado, idêntica à do referido jarro. Uma composição linear, em que duas faixas paralelas, desencontradas, são interligadas por faixa vertical a eixo. As faixas, bicromas, a verde e castanho avinhado, repetem-se junto aos bordos da taça e da tampa. Pés e pega são realçados a castanho. No fundo da base, escrito à mão a castanho, Gal 230/39.
Data: 1935-37
Dimensões: Comp. c. 20 cm x larg. c. 14 cm


Por paralelismo com o referido jarro estaremos perante a forma nº 230 correspondendo o nº 39 à decoração.

Como nos informa MAFLS a fábrica apenas subsistiu cerca de dois anos. Fundada a 27 de Junho de 1935, a empresa foi dissolvida a 20 de Dezembro de 1937, e localizava-se na Rua Alves Torgo, 279, em Lisboa.

Tal como temos vindo a ilustrar, a produção alemã da República de Weimar, de finais dos anos 20 e inícios da década seguinte, foi o motor impulsionador de uma nova estética que revolucionou formas e decorações. A sua influência teve larga divulgação internacional, vindo a ser copiadas ou adaptadas em vários países, de que os EUA e Portugal são exemplos.

Para além de outras fábricas nacionais sobre as quais já tivemos oportunidade de escrever, a GAL encontra-se entre as que mais sofreram essa influência, caso da peça mostrada por MAFLS, que poderá ser uma cópia de um modelo que ainda não detectámos, mas que será, pelo menos, baseada em um jarro concebido pela Carstens-Georgenthal, de c. 1931, que ilustramos, embora o bico remeta para uma peça da Carstens-Gräfenroda, da mesma datação, que haveremos de mostrar, e a tampa com pega de outra. O mesmo se passa com a caixa de hoje e de outras peças que haveremos de postar desta tão pouco conhecida fábrica. 


Daí a importância e o interesse de existirem blogues sobre cerâmica que contextualizem, na sua troca de informação, dados que possibilitem uma leitura outra da produção cerâmica da época, sobretudo nacional. É por isso que estamos cada vez mais convictos que sem conhecermos a produção cerâmica estrangeira, sobretudo alemã, francesa e inglesa, e mesmo a italiana para outro período, não poderemos entender a produção portuguesa.

domingo, 6 de outubro de 2013

Figura feminina - tipos populares portugueses - Secla


Na sequência da série de «tipos populares portugueses» criados por Fernando da Ponte e Sousa (1902-1990) para a SECLA durante a década de 50, publicados pelo blogue Cerâmica Modernista em Portugal (CMP), sobretudo a expressiva figura feminina «talvez uma vendedeira ou lavadeira» ou uma simples dona de casa, que ilustrou em 11 de Fevereiro de 2013, apresentamos uma versão desta com outras roupagens. Felizmente para nós a descrição formal da peça encontra-se aí feita, pelo que tivemos a vida facilitada.


A pequena escultura de faiança moldada, com decoração policroma pintada à mão, representa uma figura estilizada de mulher popular, gorda e maternal, em «pose empertigada, de mãos na cintura e barriga empinada», de regateira, cabelo preto com «carrapito no alto da cabeça, os seios fartos e pesados» que a blusa verde-alface cobre, a ampla saia comprida, com motivo floral, «coberta pelo avental» branco debruado a castanho-mel, sob a qual sobressaem os sapatos castanhos, reforçando a «expressividade satírica garantida pela habilidade do modelador [que compôs um] verdadeiro cartoon em três dimensões». No fundo da base, pintado à mão, a preto, PS 09, Secla Portugal, R.P.. Mantém, ainda, resto de uma etiqueta de papel.
Data: c. 1955
Dimensões: Alt. c. 11,5 cm


Do conjunto de tipos populares portugueses será, todavia, a que nos revela uma certa transversalidade do estereótipo de um determinado tipo de imagem feminina no imaginário ocidental. 


A peça, como diz CMP e nós concordamos plenamente, é claramente decalcada do «universo da banda desenhada, tanto nacional como internacional» embora em nossa opinião com particular ênfase na personagem maternal de «Os Sobrinhos do Capitão» cuja lembrança perpassa também nas nossas memórias de infância (o pai de um de nós possuía tudo quanto era Cavaleiro Andante, Mundo de Aventuras, O Falcão, etc.), enquanto apreciadores, que ainda somos, de banda desenhada. Havia mesmo quem sonhasse com as empadas cobiçadas arrefecendo, fumegantes, à porta ou à janela… De tal modo familiar às nossas lembranças de meninos, que tantas mulheres vimos que se lhe assemelhavam, que foi logo por nós baptizada de “Narcisa”.


Para mais informações sobre Fernando da Ponte e Sousa e sua obra consultar, então, o referido blogue. Apenas acrescentamos que esta peça regressou a “casa” depois de, sabe-se lá quantos anos, viver nos Estados Unidos da América onde foi comprada por nós via net.