segunda-feira, 15 de abril de 2013

Jarra art déco esférica com borboleta – Mougin - França







Jarra de grés moldada e relevada, de forma tendencialmente esférica, com bocal e pé em anel. Um friso relevado, estilizado ao gosto art déco, cinge a parte superior do bojo com uma decoração de frutos, flores, borboleta e pássaro, num acetinado tom esverdeado, enquanto a parte inferior, lisa, é esmaltada num azul-arroxeado manchado. No fundo da base, em relevo, «Grès - Mougin Nancy» e, inscrito na pasta, «172. J Modele de G Ventrillon» e «L».
Data: c.1925-30
Dimensões: Alt. 15 cm




Trata-se do modelo 172 J, «boule au papillon», da autoria de Gaston Ventrillon a trabalhar no atelier de arte dos irmãos Mougin, de Nancy, a funcionar de 1923 a 1933 em Lunéville. É isso que nos indica o pequeno «L» inscrito na pasta. O friso é tratado como se fosse madeira entalhada a que a técnica do esmalte dito «cera» dá um toque e um brilho de laca.

Gaston Ventrillon chamado Le Jeune (Nancy, 1891-?) é o irmão mais novo de Ernest e Georges Ventrillon, também artistas do atelier. Formado na Escola de Belas-Artes de Nancy, participa em diferentes manifestações vanguardistas. É o mais turbulento e importante dos três irmãos enquanto criador.

Embora tratando-se de uma obra de autor, ela, no entanto, só pode ser entendida no contexto do atelier em que foi concebida, dado que a individualidade do artista de alguma maneira se diluiu na produção controlada pelos irmãos Joseph e Pierre Mougin.



Joseph Mougin (1876-1961) fez a sua aprendizagem em Nancy com o estatuário e ceramista Arthur Pierron entre 1892 e 1893, que deixou para se inscrever na Escola de Belas-Artes da mesma cidade.

Em 1894 muda-se para a Escola de Belas Artes de Paris inscrevendo-se no atelier do escultor Barrias. Dois anos depois expõe esculturas em bronze no Salon des Artistes Français. Todavia, rapidamente se dá conta que uma carreira como escultor não é o seu objectivo de vida, dada a sua apetência pela cerâmica.

Em 1897, juntamente com um amigo, o escultor Lemarquier, realiza em Paris as primeiras tentativas enquanto ceramista. Seu irmão Pierre (1880-1955), renunciando à carreira de actor que pretendia seguir, junta-se-lhe um ano depois. Em Dezembro de 1899 os dois inauguram um forno e no ano seguinte já expõem na Exposição Universal de Paris.

Em 1901 Joseph vai trabalhar para Sèvres e, como resultado dos conhecimentos adquiridos, os irmãos inauguram um atelier e um segundo forno. Em 1905 obtêm uma Menção Honrosa no Salon da Sociedade Nacional de Belas-Artes de Paris. No entanto, decidem-se a abandonar a cidade e regressar à sua terra natal, Nancy, então em plena efervescência criativa, onde inauguram, em 1906 o atelier que se vai manter em actividade até ao romper da Grande Guerra, retomando a produção a partir de 1919 com a chegada da paz.

Desde sempre os dois irmãos estiveram apaixonados pelo grés, a argila de eleição dos ceramistas franceses de fins do século XIX e começos do XX.

Para quem não saiba, e simplificando, o grés é uma argila plástica, naturalmente rica em feldspato, e este é um mineral que possui a particularidade de fundir a alta temperatura, vitrificando e envolvendo as partículas terrosas, tornando a massa impermeável. Distingue-se da faiança porque não é poroso e da porcelana porque não é translúcido.

Após o regresso a Nancy, em 1906, a reação contra o naturalismo da Arte Nova, que os irmãos consideravam esgotado, vai ampliar-se por volta de 1910. Não era um rompimento contra a Escola de Nancy, mas uma evolução lógica no sentido de sintetismo estrutural. Este novo estilo reagiu primeiramente contra as curvas evanescentes e as modelações que recobrem as formas ao ponto de esconderem totalmente a evidência plástica. As pesquisas dos dois irmãos vão no sentido de uma depuração das linhas e de uma simplificação dos volumes. É então que nascem as jarras com um jogo de contrastes entre o bojo com uma decoração de cristalizações e o colo ornado de relevos com motivos vegetais. Depois, e tendendo sempre para um maior refinamento, as superfícies animam-se escavando o plano principal e os ocos tornam-se como que armadilhas que capturam a patine e ampliam os efeitos lumínicos, processo que será largamente explorado em Lunéville, aí atingindo a perfeição.



No âmbito de um contrato de colaboração com a fábrica de faiança Keller & Guérin, em Lunéville, os irmãos mudam-se para esta cidade em 1923.

A necessidade de renovação após o cataclismo da guerra vai também fazer-se sentir em Lunéville cujos produtos de faiança de luxo não eram a melhor receita económica perante uma sociedade empobrecida. Temos apresentado peças de faiança mais económicas como consequência desta mudança de rumo, caso de algumas concebidas por Géo Condé.
Aproveitando o prestígio dos dois irmãos, Edouard Fenal, de quem já falámos noutros posts, propôs-lhes uma colaboração com condições muito boas: autonomia no seio da empresa, atelier próprio ultramoderno, utilização livre do espaço e das matérias-primas, possibilidade de produzir peças próprias com a condição de editar séries de alguns dos seus modelos e dos dos artistas contratados pela fábrica. As peças produzidas mantinham o carimbo com o nome de Frères Mougin – Nancy. Todavia, Fenal ficava de posse da totalidade dos moldes do atelier de Nancy e daí existirem peças iguais de faiança, à revelia dos dois irmãos produzidas nas suas fábricas (veja-se a jarra de Géo Condé que publicámos em 26 de Maio de 2012).

Para além de disporem de dois especialistas e um ajudante, de todos os meios técnicos e materiais de que tivessem necessidade para a realização das obras, poderiam também dispor, aquando das fornadas, da colaboração dos operários da fábrica.

O contrato era válido por dez anos, os irmãos tinham casa própria, ordenado certo e uma percentagem sobre a produção do atelier. Tudo isto com a condição de produzirem um “rendimento que não poderá deixar de ser importante”.

Tudo correu bem até 1924, quando se preparavam as fornadas destinadas à Exposição de 1925. Joseph sofreu um acidente que o incapacitou durante dois meses. Fenal tornou-se mais exigente, o que deu origem a tensões que, com o decorrer do tempo, vieram gradualmente a aumentar.

Em 1925 os Mougin ganham o Grand Prix de la Céramique d’Art na Exposição de Artes Decorativas de Paris. Como consequência, Joseph recebe em 1926 a Legião de Honra, o que o deixa magoado por o seu irmão não ter sido também agraciado. Era a consagração dos Mougin e do seu magistério na Fábrica de Lunéville.

Cercados de jovens artistas plásticos, alguns dos quais – Géo Condé, Gaston e Georges Ventrillon – já eram discípulos em Nancy, os Mougin vão transmitir-lhes as técnicas e as matérias-primas que tornem possível a realização prática das suas ideias. Vão, assim, veicular-lhes novas formas de expressão que, no conjunto e apesar da diversidade de propostas, dotam as criações de uma grande unidade estética.

A reconciliação, devida ao sucesso da Exposição, pouco durou. Os choques com Fenal foram uma constante. Não estavam de acordo sobre a escolha dos artistas, dos modelos, das técnicas, dos esmaltes, dos operários. Os irmãos criticavam a falta de gosto e de discernimento artístico do director da fábrica. Este criticava-os por não produzirem as quantidades prometidas e pelo preço dos produtos. Humilhado, Joseph abandona Lunèville em 1933.

A ruptura de Joseph com a Fábrica de Lunéville levou-o de regresso a Nancy onde inaugura um segundo atelier em 1936. Nesse mesmo ano, Pierre abandona também a Keller & Guérin, mas já não volta a colaborar com o irmão.

O primeiro, com a ajuda de amigos, reconstrói o seu atelier. Aí vai produzir um grés cada vez mais depurado, preocupado sobretudo com a “pele”dos objectos, ajudado pelos filhos Odille e François, também ambos artistas cerâmicos de renome. A sua última fornada é feita em Dezembro de 1950, morrendo em 1961. Pierre tinha morrido cinco anos antes.

Durante dez anos, os irmãos esgotaram-se na tentativa de conciliação entre uma pesquisa artística necessariamente lenta, incerta, difícil e o desejo de rentabilidade de um proprietário cada vez mais exasperado. Contudo, segundo palavras de Pierre Mougin “mais de duzentas mil peças saíram dos fornos dos nossos ateliers (…). Algumas não saíram com a qualidade que teríamos desejado, (…) tendo sido aceites apesar da nossa oposição (…). Felizmente são pouco numerosas e, de entre as restantes, um bom número pode figurar em boa posição na decoração dos interiores franceses.”

O confronto entre os criadores e o industrial não foi só um choque de personalidades fortes mas, sobretudo, um embate de mentalidades entre a sensibilidade e a criatividade artísticas, essenciais para o progresso da indústria, e os conceitos de gestão, que relegavam para lugar secundário a estética do objecto. Não era esta a posição da indústria alemã e nórdica de então. Interrogamo-nos se hoje esta dicotomia está já definitivamente ultrapassada, por exemplo, num país como Portugal.

A peça que hoje apresentamos é representativa da depuração e bipartição encetada pelos Mougin a partir de 1910. O tratamento da parte superior, com a chamada técnica da «cera», que já provinha de Carriès, dava esmaltes de aspecto delicadamente acetinado, e superfícies doces ao tacto, que muitas vezes contrastavam com a propositada rugosidade de outra técnica denominada «terra». Edouard Fenal ficava pouco entusiasmado com este tipo de esmaltes. Os Mougin começaram a ensaiar tal técnica no atelier de Nancy, mas só em Lunéville, devido ao equipamento técnico e à experiência que foram adquirindo, é que obtiveram resultados de excelência.

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