sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Jarrão “Moliceiros” Aleluia-Aveiro




Jarrão de faiança moldada, em forma de balaústre, com decoração policroma pintada à mão, com friso central naturalista representando 4 moliceiros, iguais dois a dois, intercalados, enquadrado por estreitos e coloridos frisos com ornatos de ondas, e por frisos largos que consistem na estilização de vagas espumosas e silhuetas de caranguejos, a preto, num japonismo revisto pela Arte Nova. Dois frisos coloridos com ornatos de meios-círculos enquadram pé e bocal. Na base carimbo redondo sobre rectângulo Aleluia – Aveiro. Made in Portugal Hand Painted. Inscrito no centro do carimbo, pintado à mão a preto, B. Por baixo, também pintado à mão a preto, 132 D
Data: c. 1935-45
Dimensões: alt. 48 cm


Esta peça, em termos estéticos, foge um pouco à gramática art déco e a outros cânones estéticos que procuramos nas peças Aleluia-Aveiro produzidas nas décadas de 30 e 40 do século XX. Foi-nos oferecida por familiares com muito carinho que a encontraram numa feira de velharias. Contudo, é exemplar no contexto cultural e mental em que foi criada, pelo que, a propósito dela, aproveitamos para divagar um pouco, em reflexões pessoais sem grandes preocupações, sobre as peças que hoje constituem a nossa colecção dedicada a esta fábrica, num período que vai de c. 1930 a c. 1960. Abrangemos, pois, 40 anos de produção Aleluia.

Com origens que remontam a 1905, quando depois de um período de crise em que vivia a Fábrica da Fonte Nova, João Aleluia, Feliciano Aleluia e outros constituíram uma nova sociedade para produção de produtos cerâmicos, com instalações no Largo dos Santos Mártires. João Aleluia torna-se no seu principal responsável e, em 1917, por falta de espaço, as instalações mudam-se para o Canal da Fonte Nova. Com seus filhos, Gervásio e Carlos, a fábrica ganha importância nos mercados interno e externo, e, a partir de 1922, passa a denominar-se Fábrica Aleluia.
A fábrica transformou-se numa autêntica escola de ceramistas e pintores a nível regional, cuja qualidade era reconhecida em exposições nacionais e estrangeiras. (ver: http://aveirana.doc.ua.pt/pereiracampos.htm)
Saliente-se, todavia, que a Aleluia-Aveiro apresenta, desde cedo, uma produção com uma identidade própria, mesmo quando baseada em modelos e/ou motivos estrangeiros, como já tivemos oportunidade de referir.
As suas peças são inconfundíveis a nível nacional e internacional, mesmo quando os motivos e as formas são tardias (caso das peças anos 30 cuja decoração, quer pela temática, quer pela forma, quer pelo grafismo curvilíneo dos desenhos ou o jogo da sua repetição, nos remetem para um universo mais Arte Nova, portanto, mais próximos de 1900, que Art Déco ou Modernista.
Partindo, por vezes, de referenciais cretenses e micénicos, como a utilização de certas figuras animais, caso do polvo, ou de elementos neo-gregos ou neo-renascentistas, ou elementos mais naturalistas, de temática folclorizante, ou mesmo apesar de certas afinidades com alguma da produção da fábrica francesa Ciboure, a Aleluia-Aveiro criou uma identidade própria, expressiva, através de uma paleta de cores específica e de um repertório temático rico de detalhe, apostando em motivos ligados à sua localização geográfica, ora marinha, ora ribeirinha e lacustre, e às actividades marítimas locais. Daí o nome da fábrica Aleluia ser indissociável do nome da terra onde se localiza: Aveiro.

É, em nossa opinião, a mais genuinamente portuguesa das produções cerâmicas nacionais da época, no sentido de dar uma leitura outra, nacionalizando estéticas e motivos que chegavam de fora.
Talvez a isso não seja alheia uma certa frescura ingénua dos seus artistas, sem formação de escola, mas decoradores por tradição familiar e transmissão de mestres para discípulos, sobretudo até aos anos de 1940. Haverá excepções, certamente, como em todos os casos.
Ao repertório tardio Arte Nova de umas quantas composições decorativas, a Aleluia-Aveiro, soube introduzir uma gramática identitária perfeitamente reconhecível e inconfundível, quer pela paleta de tons escuros, uma certa tendência para a bicromia (ou quase) em determinada produção dos anos de 1930-40 que, em paralelo com outras mais vivas, fazia a diferença.


O universo imagético de que se rodeou, ligado às actividades marítimas locais, revelou-se a sua maior qualidade, e se o Japonismo revisto pela Arte Nova é reconhecível nuns tantos motivos, caso das ondas e caranguejos, outros há em que indo buscar modelos à Idade Média, caso das jarras bojudas com 3 asas, quer à Antiguidade Clássica ou à sua revisão renascentista, como certas jarras em forma de ânfora ou outras, ou mesmo nas formas mais convencionais, como as de balaústre ou globulares. Teremos oportunidade de mostrar várias peças ilustrativas, onde são reconhecíveis os traços que as inspiraram mas cuja genuinidade local está bem patente.
O reino animal e vegetal ligado ao universo marinho costeiro ou lacustre: o búzio, ou outro tipo de conchas, o caranguejo e outros crustáceos, o polvo, as estrelas-do-mar, os cavalos-marinhos, as algas bodelhas, o sargaço, o pato-real, a cegonha, o nenúfar, o caracol …
Muitos adquirirão novas qualidades plásticas na produção de c. 1945-55, com as suas formas a moldarem o relevo das próprias peças e não apenas pintadas.

Mas, na década seguinte será outra loiça, parafraseando a célebre campanha publicitária da sua mais conhecida concorrente na faiança nacional.
As peças, sempre pintadas à mão, seguem a técnica tradicional da bicozedura, em que à pintura sobre vidro cru, aplicada sobre a chacota cozida, se segue uma cozedura fina.
Quer pelo design das formas, quer pelo rico colorido e composições decorativas, a produção, a partir de meados dos anos 50, da Aleluia-Aveiro é, a nosso ver, das mais consistentes a nível nacional, dando-lhe um cunho, mais uma vez, personalizado, ultrapassando mesmo, em certos aspectos, a SECLA, cuja concorrência obrigara à mudança de rumo das suas criações.


De facto, a SECLA - Sociedade de Exportação e Cerâmica, Lda, que havia sido registada em Dezembro de 1946, começando a laborar a 1 de Janeiro do ano seguinte, criou o Estúdio SECLA, que resultou de um projecto de renovação da cerâmica de autor e de reunião de artistas plásticos, desenvolvendo-se a partir de 1950 e até aos inícios da década de 70. Esta proposta veio concretizar o desafio lançado no Salão Nacional de Artes Decorativas, de 1949, para os industriais recorrerem a artistas plásticos no sentido de uma renovação das suas produções cerâmicas. A reacção de outras grandes fábricas portuguesas não tardou, renovando formas e decorações. A par da Aleluia-Aveiro será a Fábrica de Loiça de Sacavém outra das mais bem sucedidas neste esforço de modernização, acompanhando, assim, o design contemporâneo internacional

4 comentários:

Maria Andrade disse...

Belíssimo post!
Muito bem escrito e muito informativo!
Sinto-me desafiada a mostrar no meu blogue um peça Aleluia que penso irão apreciar.
Cumprimentos

Fábio Carvalho disse...

Excelente post! Muito instrutivo, ainda mais para mim, que não sou português, embora ame o país, sua cultura e sua gente.
Estou seguindo o blog.
abraços
Fábio

AM-JMV disse...

Obrigado Maria.
Que jarro espantoso o seu! É nesta troca de informações que se vai vendo e conhecendo o que em Portugal se produziu no tão mal estudado século XX que, como se vê, teve uma produção artística com coisas muito boas.
Bem haja!
AM-JMV

AM-JMV disse...

Obrigado Fábio. Também seguimos com muito interesse o seu blogue Porcelana Brasil. Por vezes é extraordinária a proximidade da cerâmica produzida nos dois países.
Abraços
AM-JMV